O que tem de candomblé na música argentina?
Uma mesma célula rítmica do candomblé pode estar presente no samba, no tango, no maracatu, na milonga e no jazz. A raiz é a mesma, africana, e perpassa todas as vertentes da música feita no continente americano, onde o contingente escravo forjou a base da música popular. Quem explica é o baterista Roberto Rutigliano, um argentino que chegou ao Rio em 1988 e percebeu isso na prática. Na sala onde dá aulas há 15 anos, na escola Pro-Arte, em Laranjeiras, ele fala das experiências com a “música viva” que encontrou por aqui.
– No Brasil, eu me deparei com um arsenal de ritmos – diz o baterista, de 58 anos, ao portal Coisas da Música: – E o que mais me chama atenção, até agora, é que aqui está viva a cultura ancestral, do jongo, do candomblé.
Nos blocos de rua, nas escolas de samba e nos terreiros, nas praças ou esquinas, Rutigliano pôde se relacionar com a música de uma forma espontânea. Viveu a “música viva” e evoluiu como instrumentista, livre do academicismo que o incomodava em Buenos Aires:
– Lá, era como se a música exigisse um virtuosismo da gente.
Na prática
Para ingressar nos ambientes da música brasileira, houve resistência. Mas algumas pessoas perceberam o interesse genuíno de Rutigliano, como Ney de Oxóssi e seu pai, Mestre Erenilton, dois ogãs importantes da Bahia. Com eles, o baterista aprendeu os toques do candomblé, e encontrou elementos semelhantes com a música de seu país:
– Venho percebendo que a raiz africana está presente também na música da Argentina.
Vamos à prática. No vídeo acima, Rutigliano começa pelo ilú, um ritmo do candomblé identificado com Iansã, orixá que representa a força da mulher. E demonstra que o mesmo toque está presente tanto na caixa da Estação Primeira de Mangueira quanto no jazz e no tango:
– São frases ancestrais que estão na origem da música, na origem do som.
Afoxé
Rutigliano prossegue com o afoxé, ritmo usado nas confraternizações do candomblé. Aqui a relação é estabelecida com a milonga argentina e Ernesto Nazareth, o compositor de “Odeon”, que intitulava suas composições de tango brasileiro:
– São ritmos afro que foram criados no princípio do século 20. Aí eu cheguei à conclusão de que poderia dialogar com o afoxé quando toco uma milonga. E fica muito bonito.
Músicas próprias
Outra experiência importante foi com Hermeto Pascoal e sua banda, que ensaiavam diariamente no Jabour, um sub-bairro de Bangu, na Zona Oeste do Rio. Viviam como numa comunidade musical, uma usina do som:
“No Brasil, a cultura ancestral está muito viva, e isso me fascina”
– Aprendi várias formas de tocar, em outros tempos. Eles usam muitos conceitos como… Na harmonia da música, por exemplo, quando você inverte o baixo do acorde, ele muda de cor. Isso pode acontecer na bateria também. Você está fazendo uma coisa no prato, e ela pode ser tocada na caixa, e o que está sendo feito no bumbo passa para o contratempo etc. Eles têm muitas experiências nesse sentido.
Tudo isso conduziu Roberto Rutigliano para as suas próprias composições. Foi no Brasil, inclusive, que ele decidiu estudar harmonia, para compor ao piano. Tem cerca de 300 músicas, das quais diz, com bom humor, que 30 são lindas e três são maravilhosas. Prefere as baladas, que se toca “flutuando”. Abaixo, destacamos “Francisca n 12”:
Créditos adicionais:
Foto de capa: Bernardo Costa / portal Coisas da Música
Vídeo com “Francisca n 12”: Música de Roberto Rutigliano. Com Roberto Rutigliano (bateria), Andy Connell (clarinete), Brunce Biguenho (piano) e Adrian Barbet (baixo). Postado no YouTube por Roberto Rutigliano
Gostei muito do que li aqui no seu site.Estou estudando o assunto,Mas quero agradecer por que seu texto foi muito valido. Obrigado 🙂
Legal, Felipe. Muito obrigado pelo seu comentário. Espero que possa visitar o site outras vezes. Abraços, Bernardo Costa.