Meia noite em Copacabana

Osaxofonista Hector Costita abre os braços para recepcionar Bebeto Castilho, o multiinstrumentista que formou o Tamba Trio ao lado de Luiz Eça e Hélcio Milito. Costita e Bebeto não se viam desde os anos 1960, época em que ajudaram a embalar um dos berços da bossa nova: o Beco das Garrafas, na Rua Duvivier, em Copacabana. Foi ali que, na noite de 18 de fevereiro, deu-se o reencontro, selado por um forte abraço.

Pouco depois, chegou Armando Pittigliani, o produtor da Philips que apostou na bossa nova e lançou os primeiros discos do Tamba Trio e de Sérgio Mendes, entre outros marcos do gênero. Na lista, consta o LP “Você ainda não ouviu nada!” (1964), de Sérgio Mendes e Bossa Rio, com Costita no sax tenor.

No Bottle’s Bar, a principal casa do Beco das Garrafas, o show de Hector Costita em duo com o guitarrista Joseval Paes – uma produção do portal Coisas da Música – estava prestes a começar.

A julgar pelo reencontro de personalidades da bossa nova, o espectador que chegasse à boate, naquele sábado que antecedeu o Carnaval, certamente poderia fantasiar os acontecimentos. Poderia sentir-se como o protagonista do filme “Meia noite em Paris”, de Woody Allen, por que não? O contexto, no entanto, seria deslocado da capital francesa dos anos 1920 para a Copacabana do início de 1960.

Nosso protagonista, então, não encontraria os papas da vanguarda artística europeia, como Pablo Picasso, Ernest Hemingway ou Salvador Dalí, mas alguns dos fundadores da bossa nova. E melhor: na vida real, ao vivo e a cores; em carne e osso.

Bebeto Castilho e Hector Costita: cumprimento antes do show Foto: Bernardo Costa/coisasdamusica

O desenho a partir da foto foi feito por Geraldo Picanço, que assistiu ao show de Costita e Joseval

O personagem na plateia

O arquiteto Geraldo Picanço bem que poderia ser essa pessoa. Ele foi um dos espectadores do show que marcou o retorno de Hector Costita ao Bottle’s Bar. A apresentação, em duo com Joseval Paes, durou quase três horas e teve repertório dedicado à bossa nova e aos standards de jazz. Geraldo, que dias depois fez um desenho a partir da foto de Bebeto e Costita, nos deu um relato sobre o evento. Veja se não tem algo de Gil Pender, o protagonista do filme de Woody Allen:

– … E qual não foi a minha surpresa ao saber que o Costita, aquele Costita que vi com o Bossa Rio, iria tocar no Bottle’s. Costita deveria estar com uns 80. Seria ele mesmo? E ele estava lá. Para incrementar a minha já emocionada noite, lá também estava o meu querido Bebeto. Dose dupla. Tripla, aliás, pois Armando Pittiglini, o produtor do LP que eu trazia na sacola, também marcava presença na noite.

Geraldo prossegue:

– Após uma longa lambeção consegui me encontrar com o mais importante: a música. E encontrei um dueto que não me remeteu a um passado, mas, sim, a um presente de performances que eu já esquecera. Joseval e Costita me fizeram feliz.

Emoção no palco

Hector Costita também se confrontou com lembranças felizes e, antes de começar o segundo set do show, dirigiu-se ao público emocionado:

– Imaginem vocês que estas paredes do Bottle’s estão incrustadas com uma energia forte da música de todos os expoentes da bossa nova que por aqui passaram. Voltar aqui depois de tanto tempo é muito marcante para mim. Confesso que, no início do show, achei que fosse ter dificuldades em tocar, tamanha a minha emoção!

O jornalista e produtor Arnaldo DeSouteiro também assistiu à apresentação. Profundo conhecedor de música, surpreendeu-se com Joseval Paes, que ainda não conhecia. O estilo do guitarrista lhe inspirou a seguinte metáfora:

– Solar e acompanhar-se ao mesmo tempo, como Joseval faz, é dificílimo. Imagine duas pessoas carregando uma mesa. De repente, uma delas deixa de ajudar e o trabalho fica a cargo apenas da outra. O andamento da tarefa passa a ser mais difícil do que se essa pessoa houvesse se programado para carregar a mesa sozinha desde o início. Como seria num show solo, compreende?

Bebeto e Pittigliani na porta do Bottle’s Bar: noite histórica Foto: Victor Andrade/coisasdamusica

No lugar certo

Depois das canjas do saxofonista Idriss Boudrioua e das cantoras Ithamara Koorax, Thaís Fraga, Manu Le Prince e Morana Silveira, conversamos com Bebeto Castilho e Armando Pittigliani, na porta do Bottle’s Bar. Todos se despediam, agradecidos pela noite memorável.

– Muita gente estava junto naquele tempo, mas quem fez a coisa acontecer foi ele – e Bebeto apontava para a Armando Pittigliani, que, modesto, fiou-se na força das circunstâncias:

– Eu simplesmente estava no lugar certo e na hora certa. Estava na gravadora e vi uma oportunidade na música brasileira, que era fantástica, como sempre foi. O problema é que até hoje as pessoas não acreditam nisso.

Imagens do evento

 

Créditos adicionais

Galeria de fotos: Victor Andrade e Bernardo Costa/portal Coisas da Música

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6 Resultados

  1. Geraldo Picanço disse:

    Foi uma senhora noite, repleta de emoções.

  2. Elesbão Ribeiro disse:

    Belíssima e perfeita noite. Quando haverá outra?

    • Caro Elesbão Ribeiro, haverá sim outra noite no Rio com Hector Costita e Joseval Paes, mas ainda não temos nada confirmado. Quando for o momento, vamos noticiar no site e nas redes sociais. Muito obrigado pela presença e pelo comentário estimulante! Grande abraço, Bernardo

  3. Vânia Maria da Costa Cerqueira Pinto disse:

    Que pena que eu não estava lá. Teria adorado !

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