Paulo Jobim: as lembranças com Tom
Houve uma tarde em que Tom Jobim levou o filho Paulo ao Beco das Garrafas. Tom queria que o garoto assistisse ao ensaio do Bossa Rio, de Sérgio Mendes. Paulo devia contar 14 anos e já andava soprando um trompete em casa. Mas foram os trombones de Edson Maciel e Raul Souza que o fascinaram. Cada um numa ponta do palco, os músicos improvisavam freneticamente. A cena é a melhor lembrança que Paulo guarda do Beco, onde se apresenta hoje para homenagear o pai, na cerimônia de entrega do Troféu Beco das Garrafas.
– Eles haviam acabado de lançar o disco (“Você ainda não ouviu nada!”, gravado em 1963) e estavam muito empolgados. Meu pai havia participado dele, e me levou ao ensaio para que eu conhecesse aqueles músicos maravilhosos. Lembro dos trombones, do Edison Machado (bateria), do Hector Costita (saxofone)… – cita Paulo Jobim durante entrevista no Jardim Botânico, na sede do Instituto Tom Jobim, onde recebeu a equipe do portal Coisas da Música.
Paulo Jobim sorri quando lê o título do disco numa reedição em CD. De fato soava pretensioso. Mas Sérgio Mendes e o conjunto Bossa Rio corresponderam as expectativas: “Você ainda não ouviu nada!” passou para a história como um marco do samba-jazz, vertente instrumental da bossa nova que se desenvolveu no Beco das Garrafas. Tom Jobim estava lá, dividindo os arranjos com Moacir Santos.
Espectador das canções
Paulo Jobim, adolescente, não podia frequentar as boates de Copacabana. Mas queria ver o pai. Queria ouvir a música além das paredes de casa, onde João Gilberto era o Tio João; Vinícius de Moraes era o Tio Vinícius. Os Cariocas também eram presença constante. Paulinho ficava por ali, andando pela casa, e se aproximava quando achava a música bonita.
– Eu me aproximava e ficava ouvindo quieto, para não perturbar – lembra Paulo: – E isso fica. Quando eu fui fazer o Cancioneiro do meu pai, tinha música que eu não lembrava mais, de jeito nenhum. Aí eu pegava uma gravação, começava a tirar a harmonia, e daqui a pouco parecia que aquilo vinha. Provavelmente, eu já tinha ouvido. Então, vinham os acordes, de lembrança de moleque, bem pequenininho mesmo.
As preferências de Tom estão em Paulo. A arquitetura e a música o acompanham profissionalmente. Hoje, no show em homenagem ao pai, vai tocar violão, ao lado de Alfredo Cardim, piano, e Paulo Braga, o baterista que acompanhou Tom Jobim nos últimos discos e shows.
Quando Paulo se interessou pelo violão, quis aprender as músicas do pai. Tom, ao piano, tocava. O filho tinha que acompanhar, guiado apenas pelo ouvido. Já dominada a harmonia, o pai mudava de tom, e Paulo tinha que ir se adaptando. Era um exercício para o músico que tocava na noite.
Matita Perê
Um lugar significativo para a família Jobim é o sítio de Poço Fundo. Foi lá onde Tom compôs músicas importantes de sua obra. Paulo lembra de “Águas de Março”, que o pai fez inspirado pela construção de uma casa no alto de um morro, nas dependências da propriedade:
– Tinha lama, pedra, madeira de lei, madeira de vento…
“Águas de Março”, feita em uma única noite, foi gravada no álbum “Matita Perê” (1973), em que Paulo colaborou com o pai pela primeira vez, como compositor e ilustrador da capa interna do disco. Enquanto Tom compunha as músicas para o disco, Paulo trabalhava na canção “The Mantiqueira Range”. Nos Estados Unidos, após a gravação, Tom Jobim pôs a faixa para o filho ouvir ao telefone.
– A ligação custava uma fortuna. Mas ele ficava empolgado e colocava as músicas pra gente escutar. Devia gastar mais com o telefone do que com o disco… – diz Paulo, sorrindo.
Créditos adicionais
Foto de capa: Bernardo Costa/ portal Coisas da Música
Vídeo com o LP “Você ainda não ouviu nada!”, de Sérgio Mendes e Bossa Rio. Com Sérgio Mendes (piano), Tião Neto (contrabaixo), Edison Machado (bateria), Edson Maciel (trombone de vara), Raul de Souza (trombone de válvula), Hector Costita (sax tenor) e Aurino Ferreira (sax tenor). Arranjos de Tom Jobim e Moacir Santos. Philips, Rio de Janeiro, 1964. Postado no YouTube por Canal de zebuzios.
Vídeo com “Águas de Março” (Tom Jobim). Com Tom Jobim (piano, violão e voz), João Palma e Airto Moreira (ritmo e percussão), Harry Lookousky (primeiro violino). Arranjos de Claus Ogerman e Dori Caymmi. Regência de Claus Ogerman. Philips, Nova York, 1973. Postado no YouTube por Canal de AlfonsoRCA.
Que linda matéria! É impossível dissociar o Paulo do Tom, e não é pelo sobrenome, mas parece que o Paulo herdou em plenitude a riqueza musical do Tom, e quando o conheci, percebi que também a forma de falar, de olhar… Sou fã do Paulo porque além de ser um músico incrível, é esse filho tão carinhoso e saudoso.
Parabéns pela matéria.
Muito obrigado, Juliana! É mesmo, também fiquei com impressão semelhante nos dois encontros que tive com ele. Paulo é simples e acessível, cabe acrescentar. Grande cara. Também sou fã. Abraços, Bernardo Costa
Prezado Paulo(Pai),possuo uma foto tirada em meu restaurante “Feitiço do Village” nos anos 70 tocando violão e eu cantando. Gostaria apenas de obter o seu email para envia-la e obter sua confirmação sobre a realidade da foto, confirmando se realmente seria você o referido violonista.
Grato pela atenção.
Olá, Celso. Não temos o e-mail do Paulo. Se puder, mande a foto para meu e-mail que tentarei a confirmação: bernardo.costa12@gmail.com. Publicaremos a história aqui no site, se permitir. Grande abraço. Obrigado pela mensagem.