Áurea Martins e a grande família da Zona Oeste

Os quatro no palco parecem parentes de uma mesma família. Começaram juntos na música, nos fim dos anos 50, e juntos estão até hoje, cantando e tocando um repertório qualificado da MPB. São entrosados e se divertem, mas não deixam de dar uma catucada um no outro quando uma nota não sai afinada. Família é assim mesmo, e nos referimos a duas: a dos irmãos Áurea Martins e Elízio de Búzios, e a dos gêmeos Valter e Valdir Silva. Criados no bairro de Campo Grande, na Zona Oeste do Rio, a história de como se conheceram é também uma parte da memória musical daquela região da cidade.

– Nós todos nascemos juntos – brinca o violonista Valter, em referência ao ano em que ele, o irmão e Áurea Martins vieram ao mundo: 1940.

– Todos somos de Campo Grande, “Big Field”, a Terra Santa – completa Elízio, dois anos mais novo.

Elízio, Áurea, Valdir e Valter no palco do Cariocando, no Catete Foto: Bernardo Costa / coisasdamusica

Elízio, Áurea, Valdir e Valter no palco do Cariocando, no Catete Foto: Bernardo Costa / coisasdamusica

A conversa se desenrola depois de um show no Cariocando, no Catete, onde foram feitas as imagens que ilustram este texto. Dos quatro, a cantora Áurea Martins foi a que alcançou maior projeção. Tem um LP, sete CDs e um DVD gravados, e é cultuada por um público fiel que a chama de “Diva”, a pérola negra da MPB. Sua trajetória, assim como a de Elízio e a dos gêmeos Valter e Valdir, começa nos conjuntos de baile. E havia um do qual não podem esquecer: o Laureano e seu Conjunto.

– Era o famoso Si Menor – diz Elízio, para a gargalhada geral.

– É mesmo, Si Menor, ele só tocava em Si Menor – diverte-se Valdir.

Foi no conjunto do contrabaixista Laureano que eles se conheceram. Além de Valdir (cavaquinho) e Valter (violão), integrava a banda João Clarinete, que passou a levar Áurea e Elízio, seus sobrinhos, para os clubes não só de Campo Grande, mas dos bairros vizinhos da Zona Oeste.

– Tinha o Clube dos Aliados, o Cosmos, um lugar chamado Furreca, o Clube Pedra Branca, em Senador Camará… – enumera Áurea Martins.

Áurea no Clube Pedra Branca, em Senador Camará Foto: Arquivo pessoal

Áurea Martins (ao centro) no Clube Pedra Branca, em Senador Camará Foto: Arquivo pessoal

E qual era o repertório dos bailes?

– Ah, tinha de tudo. Bolero, música americana, brasileira, e até italiana. A Aurinha cantava cada música italiana bonita, rapaz, você tinha que ver. Quando ela não podia ir, não tinha baile – lembra Valdir.

Era um tempo em que os músicos encontravam mais trabalho. No subúrbio do Rio, geralmente mais festivo, os conjuntos se proliferavam e os bailes, celeiro de grandes músicos da cidade, eram praticamente diários. Outro artista que começou nas noite da Zona Oeste foi o trombonista Raul de Souza, criado em Bangu, e hoje considerado um dos melhores do mundo em seu instrumento. Áurea Martins conta que o conheceu no Clube Creib, em Padre Miguel, onde também aparecia o baterista Dom Um Romão, que na década seguinte gravaria com Jobim e Sinatra nos EUA.

Parte das canções apresentadas no Cariocando, com certeza estava no repertório dos bailes, como “Manhã de Carnaval” (Luiz Bonfá e Antônio Maria) – que começava a apontar novos caminhos – e “Carinhoso” (Pixinguinha e João de Barro), o eterno clássico da MPB:

‘Te Queria’: sucesso e dor de cabeça 

Elízio de Búzios, embora não tenha a projeção da irmã, é extremamente musical e muito conhecido em Campo Grande. É também autor de canções de suingue envolvente. “Tamanqueiro”, com pergunta e resposta entre público e cantor, é uma delas. Outra é “Te Queria”, sucesso do CD de estreia de Seu Jorge, Samba Esporte Fino (2001). Elízio conta que soube da gravação na fila do ônibus para Campo Grande, no Largo da Carioca. Voltava pra casa depois de tocar num quiosque da Praia do Flamengo:

– Um amigo músico veio me dar os parabéns pela gravação, mas eu não sabia de nada. Não fui consultado e nunca estive com o Seu Jorge. Acho que ele nem sabe disso, mas acredito que, se a música não estivesse registrada em meu nome, teriam roubado ela de mim.

São os percalços da vida de um músico, especialmente do subúrbio.

 

Créditos adicionais:

Foto de capa: Bernardo Costa / coisasdamusica

Você pode gostar...

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *