A bossa de Leny Andrade vem de Dolores Duran

Leny Andrade: "Eu sou o Beco das Garrafas" Foto: Divulgação

Leny Andrade: “Eu sou o Beco das Garrafas” Foto: Márcia Moreira/Divulgação

Leny Andrade acaba de voltar de Nova York, de uma temporada no Birdland. Mais uma vez, como de costume em toda estreia da cantora brasileira por lá, Tony Bennett estava na plateia. O show aconteceu no dia 10 de maio e, dessa vez, a produção não tinha enviado o convite ao cantor americano. Não importa, ele foi.

Já de volta à sua casa, na Praia de Botafogo, Leny Andrade atende o telefone para uma conversa sobre os tempos do Beco das Garrafas, onde será homenageada no sábado, em mais uma cerimônia de entrega do troféu em reconhecimento àqueles que fizeram a história do local.

– Eu sou o Beco das Garrafas – sentencia a cantora Leny Andrade em entrevista ao Portal Coisas da Música, antes de soltar sua grave gargalhada.

Leny Andrade já levou a música brasileira a 48 países. É consagrada internacionalmente e está de viagem marcada para a Austrália, onde fará a estreia da filial do clube Blue Note, em agosto. Transita pelo meio jazzístico com desenvoltura, e faz questão de cantar sempre em português:

– O que eu faço é bossa-jazz – define a cantora.

Retrato de Dolores Duran no Beco das Garrafas com dedicatória para Gigi Foto: Bernardo Costa/coisasdamusica

Dolores Duran

Mas de onde veio o jazz, os improvisos vocais que caracterizam seu estilo? Pois esqueçam as cantoras americanas. Leny Andrade aprendeu ouvindo Dolores Duran. E lamenta ter chegado ao Beco das Garrafas pouco depois da morte da cantora, que fez no Little Club sua última apresentação. Era o ano de 1959, e Leny se apresentava no Bacará a convite do pianista Chuca-Chuca, um dos sócios da boate. Tinha 16 anos, e estava sempre acompanhada pelo pai.

– Além de ter as bochechas parecidas com as da Dolores Duran, eu cantava no estilo dela, com a voz parecida com a dela, que sempre foi um ídolo pra mim. Eu tinha paixão por Dolores Duran – diz Leny Andrade, que cita um disco importante para suas descobertas musicais: “Dolores Duran no ‘Michel’ de São Paulo”:

– Na música “Fim de caso” (Dolores Duran), quando o grupo vai solar pra ela voltar na segunda parte, a Dolores começa a improvisar. Ela era fogo. Essa informação chegou pra mim por meio dela, não veio das americanas.

Discussão com Sérgio Mendes

No Bacará, Leny Andrade cantava e tocava piano, e era acompanhada pelo baixista Manuel Gusmão. Na casa ao lado, o Bottles Bar, o pianista Sérgio Mendes se apresentava com o seu conjunto. Mas, segundo Leny, não trazia público. Foi aí que Alberico Campana, o dono da boate, a contratou, pois não faltava gente no Bacará para assisti-la.

Com Sérgio Mendes, deu-se a seguinte discussão:

“Até mesmo as minhas bochechas eram parecidas com as de Dolores Duran”

– Sérgio, eu não canto jazz, eu canto samba – disse Leny, num dos primeiros ensaios com o grupo, que ainda reunia o contrabaixista Tião Neto, os trombonistas Raul de Souza e Edson Maciel, e os bateristas Dom Um Romão e Edison Machado, que se revezavam.

– Pois eu não toco samba – respondeu Sérgio Mendes.

Segundo conta Leny, o impasse permaneceu por um tempo até que o pianista insistiu:

– Mas como você não canta jazz? E aqueles improvisos que eu vi você fazendo no Bacará?

– Mas isso é jazz? – Leny Andrade se surpreendeu, pois a informação que tinha era brasileira. Vinha da pioneira Dolores Duran.

 

Créditos adicionais

Foto de capa: Márcia Moreira/Divulgação

Vídeo com “Fim de caso”, de Dolores Duran. Gravada em 1958. Postado no YouTube por mateusamlr

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