Saber ouvir foi a lição para o baterista Rafael Barata

Bottle's Bar, onde Palma começou a carreira e fez seu último show Foto: Bernardo Costa/coisasdamusica

O palco do Bottle’s Bar, onde Palma fez seu último show Foto: Bernardo Costa/coisasdamusica

Aforma como Rafael Barata e João Palma se conheceram foi inusitada. No extinto Mistura Fina, célebre casa de shows do Rio, Palma se aproximou do jovem baterista, que estava no intervalo de uma apresentação, e afirmou:

– Você é o Rafael Barata!

Pego de surpresa, e meio sem jeito, Rafael confirmou:

– Ué, sim, eu sou, sou eu mesmo.

– Eu não preciso que você me confirme – cortou João Palma: – Eu estou dizendo que você é o Rafael Barata.

E explicou o porquê da convicção:

– Eu sei que você é você porque eu ouvi ainda há pouco, no rádio, um baterista acompanhando um pianista, e era esta bateria. Eu fiquei pensando que poderia ser o Edison Machado, mas eu sabia que não era. Logo em seguida o locutor da rádio falou o nome do pianista, que era o Hélio Celso, e falou o seu nome. Agora eu chego aqui, escuto esta bateria, e sei que é a bateria do rádio. Por isso sei que você é você.

Era a maneira mais direta, “mais João Palma de ser”, diz Rafael Barata ao relembrar o episódio durante entrevista ao portal Coisas da Música.

A homenagem

Começou assim a relação entre esses dois importantes bateristas brasileiros, de gerações diferentes. João Palma morreu há um mês, aos 75 anos, deixando um legado para a história da música brasileira. Foi um dos criadores da bossa nova, responsável por sua divulgação no mundo, e será homenageado nesta terça-feira, no Beco das Garrafas.

O show é comandado por Rafael Barata e terá a participação de Zé Carlos Bigorna (saxofone), Gabriel Improta (violão), Marcos Nimrichter (piano) e Jorge Hélder (contrabaixo).

– O repertório será dedicado às músicas que fizeram parte da discografia de João Palma, que vai de Jobim, Astrud (Gilberto) e Sérgio Mendes a Paul Desmond e até (Frank) Sinatra – anunciou Rafael Barata em sua página no Facebook, onde compartilhou o seguinte cartaz do show:

Panfleto de divulgação do show em homenagem a Palma Foto: Reprodução

Panfleto de divulgação do show em homenagem a Palma Foto: Reprodução

As conversas 

O encontro no Mistura Fina aconteceu no início dos anos 2000. Após o primeiro contato, João Palma voltava todas as semanas para ver Rafael Barata, e trazia discos para compartilhar com o colega, que, no próprio Mistura Fina, pôde testemunhar o prestígio de Palma junto à nata dos músicos internacionais.

– A vaidade do João era de alma. Às vezes, ele estava mal vestido, mas mantinha a auto-estima. Eu vi cenas do Ron Carter (contrabaixista do segundo quinteto de Miles Davis) e toda a banda reverenciando o João, enquanto os garçons não davam a mínima para ele, por conta da aparência.

Rafael Barata soube ouvi-lo:

–  Quase sempre eu levava ele pra casa depois do Mistura Fina e ficava no carro uma hora, no mínimo, ouvindo as histórias dele e ouvindo os discos, porque ele dizia que tinha que ouvir comigo, senão eu não ia saber ouvir.

Os dois ouviram, por exemplo, os bateristas Sid Catlett e Jadir de Castro.

João Palma no Bottle's Bar, em 25/12/2015 Foto: Bernardo Costa / coisasdamusica

João Palma no Bottle’s Bar, num de seus últimos shows  Foto: Bernardo Costa/coisasdamusica

A trilha para os EUA

Rafael Barata hoje é músico de destaque nos Estados Unidos, e vive entre Nova York e Rio de Janeiro. Quando foi para os EUA pela primeira vez, lembrou-se das dicas de Palma, um dos primeiros bateristas brasileiros a fazer sucesso no país. A história de Palma por lá começou nos anos 1960, com o hit “Mas Que Nada”, de Jorge Ben, gravado em 1965 com o conjunto de Sérgio Mendes:

–  Eu já fui para a América com a intimação dele, dizendo pra onde eu tinha que ir, quem eu tinha que procurar, o que eu tinha que fazer…

Reconhecimento

Nos Estados Unidos, Rafael Barata, mais uma vez, pôde testemunhar o prestígio de Palma. Quando dizia que era baterista brasileiro, vinham lhe perguntar se ele conhecia João Palma. Lewis Nash foi um deles:

– Lembro das palavras do Lewis Nash quando eu disse que era amigo do Palma: “Oh, meu Deus, por favor, agradeça a ele por mim, ele me ensinou muito, aprendi muito com ele”. Outro foi o Mike Shapiro. É impressionante o quanto lá ele é reconhecido e lembrado, enquanto aqui as pessoas não sabem quem é o João. Segue o Brasil com as suas dúvidas culturais.

 

Créditos adicionais

Foto de capa: Reprodução da internet / perfil de Rafael Barata no Facebook

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