Pesquisador investiga as trilhas de Moacir Santos nos EUA
Los Angeles, novembro de 2015. Num restaurante mediterrâneo, na Venice Boulevard, o pianista da casa se aproxima de um brasileiro que, sentado a uma mesa, conversa em português com um amigo. Foi o idioma o que chamou a atenção do músico. Ao apresentar-se, durante o intervalo de seu show, a primeira surpresa: ele também fala português. O que se passou foi emocionante:
– Sou brasileiro, e estou aqui para pesquisar sobre um músico do meu país – contou o paulista Lucas Bonetti.
– É mesmo, qual? – O pianista interessado era Dean Christopher.
– Moacir Santos.
Foi então que Lucas, um pesquisador de 26 anos, viu as lágrimas rolarem do rosto do músico americano. Artista local, o pianista contou que foi aluno do instrumentista, compositor, arranjador e regente pernambucano, e que o contato com Moacir Santos havia mudado sua vida.
– Foi ele que me incentivou a prosseguir na música – disse Dean.
Ao sair do restaurante, Alexandre Pfeiffer, o amigo que estava com Lucas, comentou:
– Nossa, era como se o Moacir Santos tivesse levado você até o restaurante pra lhe apresentar a este músico…
Ficou o ar de mistério. O mesmo mistério que envolve a carreira pouco conhecida de Moacir. Durante muito tempo, havia dúvidas até mesmo quanto ao local e a data de seu nascimento. O que foi sanado pelo próprio músico, que voltou ao Nordeste atrás de suas origens, no início dos anos 80. Em depoimento ao Museu da Imagem e do Som do Rio de Janeiro, em 1992, ele conta que encontrou seu registro de batismo na cidade de São José do Belomonte, em Pernambuco, e justifica as imprecisões:
– Nos sertões bravios do Nordeste acontecem muitos mistérios na vida de uma pessoa que não tem quase nada de recursos. Eu sou um desses.
E é justamente para tentar esclarecer aspectos obscuros da carreira de Moacir Santos que Lucas está em Los Angeles, de onde fala ao site Coisas da Música, por Skype. O episódio que nos conta, e abre esta matéria, aconteceu num momento de lazer da temporada de apuração pesada nos Estados Unidos. Seu foco são as trilhas para cinema produzidas por Moacir em solo americano, o tema de sua pesquisa de doutorado. O período brasileiro, dos filmes “Seara Vermelha”, “Ganga Zumba”, “Os Fuzis” e “O Beijo”, já foi analisado por Lucas, que disponibiliza importante material no site www.trilhasmoacirsantos.com.br.
– O principal motivo de eu ter vindo pra cá é tentar jogar luz sobre uma questão complicada, sobre a qual muito se especula e pouco se sabe, que é o trabalho de gosth writer feito por ele. Quero saber de fato o que ele fez aqui. Alguns afirmam que o tema de Missão Impossível é dele. Entendo que fazem essa associação por conta do compasso 5/4 e de características rítmicas comuns a obra do Moacir. Mas será que é mesmo? O que foi inventado, e se tornou meio que uma lenda urbana, e o que há de verdade nisso, é o que busco esclarecer – diz Lucas, um dia antes de entrevistar Lalo Schifrin, o autor oficial do tema de Missão Impossível.
Lucas também busca uma cópia do filme “Love in the Pacific”, do diretor polonês Zygmunt Sulistrowski, cuja trilha sonora foi composta por Moacir Santos, e possibilitou sua ida para os Estados Unidos, em 1967. O filme é considerado perdido. O pesquisador rastreou diversas salas que exibiram, mas a maioria delas já não existia mais:
– Por enquanto, o que consegui foi um LP italiano com as músicas do filme. Também assisti ao trailer na Academy Film Archive, de Hollywood, mas eles não disponibilizam cópias, infelizmente.
A principal fonte de Lucas tem sido as entrevistas com pessoas que conheceram e trabalharam com Moacir Santos nos Estados Unidos. Alguns contam que o artista passou por dificuldade na América, algo natural para um imigrante negro que tenta dar início à carreira num país estrangeiro. Outra informação importante levantada por Lucas é o fato de Moacir Santos não ter recebido corretamente os royalties pelos discos que gravou na temporada americana.
– Durante muito tempo ele não recebeu quase nada pelos discos. Uma das pessoas que me contou isso foi o Mark Levine, parceiro de Moacir na canção “The City of LA”, do álbum “Saudade” (1975). Ele diz que depois de mais de 20 anos recebeu uma carta com um pedido de desculpas e um cheque, enviado pela associação arrecadadora de direitos. Ele não soube precisar qual era a associação, mas crê que tenha sido a Harry Fox Agency. Então, acredito que o Moacir tenha recebido esses direitos também, com valores ainda maiores.
Créditos adicionais:
Foto de capa: Agliberto Lima / AE
Vídeo com o tema de Missão Impossível, série de TV exibida pela CBS Broadcasting, Inc., entre 1966 e 1973; versão para cinema nos anos 80. Autor: Lalo Schifin. Postado no YouTube por MultiOmps
Vídeo com “City of LA”, música de Moacir Santos e Mark Levine. Gravada no LP “Saudade”, de 1975, selo Blue Note. Postado no YouTube por Débora Manso
Muito emocionante !
Parabéns para vocês.
Lucia Rodrigues, obrigado por visitar o portal Coisas da Música. Sempre teremos conteúdo sobre Moacir Santos. Grande abraço!
Sensacional Bernardo! Parabéns!!! Grande abraço!