O jazz do sanfoneiro Dominguinhos
Tocar completamente à vontade, de forma espontânea, com muito prazer, em total sintonia com música e músicos, no divertimento criativo da composição que surge na hora. Assim é a improvisação musical, terreno explorado apenas por quem tem conhecimento de causa. O sanfoneiro Dominguinhos tinha. E, para além de sua carreira identificada com o legado de Luiz Gonzaga, temos nesse pernambucano um exímio instrumentista, apto a circular entre os melhores, em qualquer lugar, em qualquer gênero, inclusive nos meios jazzísticos.
Já que o associam quase que exclusivamente ao forró, ao xote e ao baião, vamos abrir um pouco o leque. Dominguinhos era nordestino de Garanhuns, seu instrumento era o acordeom; mas poderia ser qualquer outro, como qualquer outro poderia ser o local de seu nascimento. Não importam as variantes, músico Dominguinhos seria. Bastaria uma oportunidade para o artista aparecer. Quis o destino que fosse no agreste pernambucano, e que fosse a sanfona o instrumento a lhe cair nas mãos.
E qual não é a surpresa quando algum desavisado assiste a este vídeo que postamos abaixo? No registro, Dominguinhos aparece como convidado do programa Café Concerto, transmitido pela TV Cultura de São Paulo, em 1985, sob o comando do Zimbo Trio. O pianista Amilton Godoy, o baixista Luiz Chaves e o baterista Rubens Barsotti – os anfitriões do Zimbo Trio – e o guitarrista Heraldo do Monte o acompanham. Todos expoentes do jazz no Brasil. Dominguinhos, completamente à vontade entre eles, também acaba sendo. A música é “Rapaz de Bem”, de Johnny Alf.
Assistindo atentamente, parece que os próprios Heraldo do Monte e Zimbo Trio ficam surpresos com a desenvoltura de Dominguinhos. A grata e feliz surpresa de vê-lo improvisar, criando melodias na hora, contagiou a todos. A sonoridade do jazz aplicada ao samba estilizado de Johnny Alf teve na sanfona de Dominguinhos seu grande solista. O vídeo é um grande momento da música instrumental brasileira.
Os músicos sorriem uns para os outros. Fazem gestos, como quem diz: “Vai, você”. Tudo se transforma numa grande diversão, com perguntas e repostas entre Dominguinhos, Heraldo do Monte, seu conterrâneo de Pernambuco, e Amílton Godoy. Percebemos a elevação artística que o domínio do instrumento pode proporcionar, tanto em quem toca quanto em quem ouve. E sentimos orgulho da diversidade e competência do músico brasileiro.
No Free Jazz Festival
Dois anos depois, Dominguinhos era uma das atrações do Free Jazz Festival, com etapas no Rio e em São Paulo. Durante o evento, o público assistiu a ícones do gênero como Sarah Vaughan, Art Blakey, Chick Corea e Gil Evans. O imprevisto ficou por conta da sanfona virtuosística do herdeiro musical de Luiz Gonzaga. Com Heraldo do Monte, mais uma vez; o baixista Arismar do Espírito Santo; o pianista Amilson Godoy, irmão de Amilton; e o baterista Dirceu Medeiros, Dominguinhos tocou jazz.
Os desavisados foram de novo pegos de surpresa. No registro acima, postado por Heberth Souza, Dominguinhos toca “Triste”, de Tom Jobim. A improvisação na sanfona é um deleite para o público especializado, que aplaude entusiasticamente.
Dominguinhos foi músico da noite e do rádio. Johnny Alf e Tom Jobim estavam em seu repertório quando ele ainda era conhecido como Neném do Acordeom. Instrumentista tarimbado nas grandes escolas, natural que dominasse seu instrumento e o conduzisse por qualquer vertente musical, ao sabor da improvisação, tal qual os grandes do jazz.
Créditos adicionais:
Foto de capa: Arquivo / TV Cultura – 27-01-1982
Vídeo de “Rapaz de bem” (Johnny Alf): Programa “Café concerto”, TV Cultura, década de 1980. Postado no YouTube por Arthur Martins
Vídeo de “Triste” (Tom Jobim): Free Jazz Festival, 1987. Postado no YouTube por Heberth Souza
Parabéns ao querido amigo e irmão Bernardo pelo belíssimo trabalho , texto delicioso .
Obrigado, amigo. Que bom que você gostou. Grande abraço!