João Palma: o baterista ícone da bossa nova de volta aos palcos
Tom Jobim, Sérgio Mendes, Roberto Menescal, Astrud Gilberto, Frank Sinatra, Paul Desmond. Esses são alguns nomes com quem o baterista João Palma tocou e gravou ao longo de mais de cinco décadas de carreira. Tá bom ou quer mais? João Palma quer. E com um repertório de sucessos registrados com cada um desses artistas ele voltou aos palcos em dezembro, aos 74 anos de idade. O show aconteceu em Copacabana, no Beco das Garrafas, o berço da bossa nova que ajudou a criar. Como convidada de Palma, a cantora Ithamara Koorax fez sua estreia no local, cujo palco escolhido não poderia ter sido melhor. Estávamos no Bottle’s Bar, boate que João Palma estreou no início dos anos 60, ao lado de Johnny Alf, ao piano, e Tião Neto, no contrabaixo.
Era noite de sábado, 5 de dezembro, e esses ingredientes bastavam para dar um caráter histórico àquele espetáculo. O que dizer então quando, no intervalo do show, enquanto o baterista fumava distraidamente do lado de fora do Bottle’s, vimos chegar o guitarrista Hélio Delmiro?
– Vim te ver, cara. Estava com saudade daquela bumbada… – disse Hélio Delmiro, de 68 anos, entrando pela Rua Duvivier de braços abertos, antes de dar um beijo no rosto de João Palma: – Gostei de ver, você tá inteirão, tá inteirão mesmo – e tome apertões na bochecha do baterista.
João Palma não sabia se abraçava Hélio ou se chamava a atenção de algum desavisado:
– Bicho, este cara aqui gravou até com a Sarah Vaughan. Ela ficou doida, queria levar ele pra América de qualquer jeito. Fez a carreira da Clara Nunes, da Elis Regina…
Hélio Delmiro retribuía os elogios.
– Este aqui tem pedigree. Este aqui tem pedigree – e firmava o dedo indicador no peito do baterista.
Todos em volta procuravam registrar a cena de alguma maneira. Sabiam da importância da dupla e que o momento era raro. Foi quando a cantora Ithamara Koorax apareceu na porta do Bottle’s para avisar que o show iria recomeçar. Alfredo Cardim (piano) e Geferson Horta (baixo), que formam o trio com Palma, já aguardavam no palco.
– João, está na hora.
– Olha quem está aqui, Ithamara, é o Hélio Delmiro – anunciou o baterista.
– Hélinho, vem tocar!
– Vou tocar, vou tocar, tudo que você quiser eu faço – respondeu o guitarrista, já se encaminhando para o interior da boate.
Naquele momento, o Beco das Garrafas revivia os tempos áureos do início dos anos 60, quando todos os “cobras” se encontravam ali pra festejar a música, ao som de jazz e bossa nova. De volta ao Bottle’s, rapidamente foi providenciado um violão, e o show prosseguiu com canja de Hélio Delmiro. Ouvimos “Disa”, de Johnny Alf e Maurício Einhorn, um pedido de João Palma; e “Triste”, de Tom Jobim.
Em seguida, já com Ithamara Koorax no palco, o público acompanhou os criativos diálogos entre voz e violão, com os dois instrumentistas (sim, a voz da cantora é como um instrumento) explorando tensões refinadas das harmonias. Cada nota, um achado. Foi assim em “Insensatez” e “Garota de Ipanema”, dois clássicos da dupla Tom e Vinicius.
A esta altura do espetáculo, as pessoas que lotavam a boate já haviam confirmado a boa forma do baterista. Com poucas e precisas batidas com a mão esquerda, sua marcação de samba é sutil. As sonoridades tiradas dos pratos são surpreendentes, e os climas se alternam com criatividade. Quando usa as vassourinhas, impressiona pelo suingue que consegue a partir dos movimentos mais simples. É o legítimo toque da bossa nova, que ouvimos a seguir em “Sambou, Sambou”, de João Donato.
Um dia antes do show, uma entrevista ao jornal O Globo, com sessão de fotos no Beco das Garrafas, fez o veterano baterista voltar ao tempo em que vivia praticamente dentro de um avião, encarregado de levar a música brasileira pelo mundo ao mesmo tempo em que garantia sua sobrevivência. Os fatores são os mesmos que hoje o levam a traçar os novos planos:
– Vamos começar por São Paulo, Teatro Guaíra, no Paraná, depois a gente vai até pro Japão, bicho. Eles lá adoram a música brasileira.
Durante a entrevista, o principal interesse da repórter era sobre o contato de João Palma com Frank Sinatra, com quem gravou no disco “Sinatra & Company” (1971). Mas, na noite do show, o baterista nos contou de outro célebre convite que diz ter recusado. Do trompetista Miles Davis.
“Disse pro Miles Davis que não ia tocar com ele. Eu toco com o Tom Jobim!”
– Falei pra ele: “não, cara, eu toco com o Tom Jobim”. Além do mais, ele era muito doido – diz Palma, que conta ter conhecido Tom Jobim em 1953, na casa de Marcelo, primo do compositor: – O Marcelo era músico também, flautista, e ajudava a organizar a banda do Colégio Brasileiro de Almeida, fundado pelo avô do Tom. Eu era aluno da escola e fazia parte da banda. Lembro que era uma festa quando a gente saía tocando pelas ruas de Ipanema. O Marcelo tinha muitos discos de jazz, e costumávamos ir pra casa dele ouvir. Foi numa dessas ocasiões que conheci o Tom.
Da mesma forma como a memória anda boa, a sensibilidade musical permanece afiada. E o entusiasmo do público se manifestou logo nos primeiros números do show. Aqui destacamos “O Barquinho”, de Roberto Menescal e Ronaldo Bôscoli. Nesta canção, voltamos ao tempo em que Palma fazia parte do primeiro conjunto profissional de Menescal, ao lado de Eumir Deodato (piano), Ugo Marotta (vibrafone) e Sérgio Barroso (contrabaixo). Foi uma das primeiras gravações do baterista.
Depois do conjunto de Menescal, veio o convite de Chico Batera, que deixava o conjunto de Sérgio Mendes e procurava por um substituto. O pianista brasileiro estava em Los Angeles, e começava a trilhar sua trajetória de sucesso nos EUA, onde permanece até hoje. João Palma aceitou, pediu licença do serviço público na Cofap – “viver de música ainda era incerto” -, e partiu para os Estados Unidos em julho de 65, onde formou o Brasil 66′ com Sérgio Mendes:
– Aqui já não tinha mais nada. Os militares fecharam as boates e bar era o seguinte: mais de três reunidos já era considerado inconfidência.
Vieram as gravações de “Mas que nada” (Jorge Ben) e “Going out of my head” (Teddy Randazzo e Bob Weinstein), sucessos que levaram Sérgio Mendes e o Brasil 66 a disputar o hit parade com os Beatles. As duas músicas estão no repertório do show, na voz de Ithamara Koorax. Assim como as canções registradas com Tom Jobim – João Palma é o baterista dos discos “Stone Flower”, “Tide”, “Matita Perê” e “Urubu”.
– Nossa parceria é antiga e ele sabe que eu o amo integralmente. João Palma é meu mestre – declarou Ithamara durante o show, com o carisma e a desenvoltura das artistas que fazem fazem do palco a própria casa.
Créditos adicionais:
Foto de capa: Bernardo Costa / coisasdamusica
Simplesmente fantástico!!!
Deixo aqui meu registro, fotógrafo apaixonado pela história da música e dos músicos.
Sucesso e muitos anos de vida para Coisas da Música!
Parabéns Bernardo pela iniciativa e obrigado pela Matéria!!! Ficou show!!!
Relembrar João Palma., e voltar a época de ouro da nossa musica desde Roberto Menescal até Sergio Mendes e Brasil 66 – muito bom., e eu agradeço por tudo que ouvi e vi., pena não poder ter estado no Bottles –
Agradecemos a todos pelos comentários! João Palma está na história da música, e na nossa também. Em breve vamos publicar mais material sobre este grande artista. Grande abraço!
Bernardo Costa, simplesmente incrível este registro. Me emocionei!!
Que bom, Anderson R. Maia. Essas apresentações no Beco foram as últimas de João Palma. Durante a temporada, ele recebeu bonitas homenagens, a começar por aquelas que partiram dos próprios músicos que o acompanharam: Ithamara Koorax, Alfredo Cardim e Geferson Horta. Grande abraço!