Hélio Delmiro e Rosa Passos: a alegria do jazz no samba canção

Sábado, dia 12, Teatro Municipal de Niterói. De surpresa, Hélio Delmiro aparece nos bastidores do show de Rosa Passos. Os dois se abraçam longamente, trocam beijos, e o guitarrista sopra no ouvido da cantora: “Eu quero tocar ‘Eu sei que eu vou te amar’ com você, pode?”. Rosa, que estava prestes a subir ao palco, devolve: “Eu, você e Filhote (o baixista Paulo Paulelli)? Ai, meu Deus, quanta honra! É hoje que eu vou cair dura no palco”. Começava assim a noite que marcou o encontro inédito entre dois dos maiores artistas da música brasileira.

– Minha índia, minha fofa.

– Helinho, que bom te ver.

Começado o show, Rosa Passos chama ao palco Hélio Delmiro, “o maior músico do mundo”, diz à plateia. Hélio, Rosa e Filhote tocam “Eu sei que vou te amar”. Agora, o que o guitarrista sopra são acordes. Se repararem bem no vídeo, é literalmente isso que ele faz. Hélio Delmiro junta os lábios e sopra em direção ao braço do violão, no momento exato em que coloca o acorde surpreendente, torto, garimpado por um talento excepcional.

A reação de Rosa Passos e Filhote é imediata. Os dois se entreolham sorrindo. Hélio Delmiro, de cabeça baixa, também sorri ao perceber o efeito causado nos colegas. Rosa Passos chega a dar gritos de entusiasmo.

– É a alegria do jazz no samba canção – comentaria o guitarrista em seu perfil na rede social, no dia seguinte ao show.

Hélio Delmiro, Rosa Passos e Paulo Paulelli

Hélio Delmiro, Rosa Passos e Paulo Paulelli Foto: Bernardo Costa / coisasdamusica

Cansei de ilusões

“Eu sei que vou te amar”, de Tom Jobim e Vinícius de Moraes, foi a única música combinada nos bastidores. O que rolou antes, só com Rosa e Hélio, foi decidido na hora, no palco. Enquanto ele se acomodava com o violão, Rosa sugeriu a música: “Cansei de ilusões”, de Tito Madi. O guitarrista fez que sim com a cabeça, e tratou de engendrar a harmonia. O braço do instrumento como o teclado de um piano.

Rosa Passos coloca seu timbre original, assenta a voz, cresce na hora certa sem arroubos desnecessários, explora a melodia de Tito Madi. E abraça Hélio Delmiro, que, antes de subir ao palco, chorava ao ouvir Rosa Passos cantar “Coração vagabundo”, de Caetano Veloso.

– Cara, eu chorei muito – disse o guitarrista horas depois.

“Ganhei o ano e a vida”

A última música que tocaram, “O bêbado e a equilibrista” (João Bosco e Aldir Blanc), teve a seguinte apresentação de Rosa Passos: “uma homenagem à minha diva que está lá na espiritualidade: Elis Regina”. Paulo Paulelli se junta aos dois e impressiona Hélio, com seu contrabaixo e a percussão sutil que faz com a boca:

– O Filhote é um “musicasso”.

Hélio Delmiro conheceu bem Elis. Fez parte de sua banda durante quatro anos, ao lado de Luizão Maia (baixo), César Camargo Mariano (piano) e Paulo Braga (bateria). Com ela, gravou dois discos: “Essa mulher” (1979) e o clássico “Elis e Tom” (1974), com Tom Jobim. Daí o suspense quando, no fim do show, Hélio Delmiro falou com ar grave:

– Não existem duas Elis… Mas também não existem duas Rosinhas.

Rosa Passos se agarra no pescoço do guitarrista e agradece:

– Ganhei o ano e a vida!

O prazer de fazer música Foto: Bernardo Costa / coisasdamusica

O prazer de fazer música Foto: Bernardo Costa / coisasdamusica

A gravação inédita

O encontro de Rosa e Hélio era inédito no palco. Mas não no estúdio, embora as gravações que fizeram juntos, na década de 80, permaneçam inéditas. Rosa Passos, Hélio Delmiro, Luizão Maia, e Gilson Peranzzetta. Na lembrança do guitarrista, “foi um som maravilhoso”.

Para Rosa, o não lançamento do projeto “foi um dos momentos mais tristes da minha carreira”.

– O produtor era italiano e houve uma confusão com relação à distribuição aqui no Brasil. E terminou o disco não saindo. Eu tenho a gravação guardada com muito carinho mas nunca pude usar – diz Rosa Passos.

Décadas depois, Rosa e Hélio estão no palco num momento inesperado. Enquanto se curvam diante do público, em agradecimentos, o trio confabula o que parecem ser planos futuros. A julgar pelo entrosamento e alto teor artístico do encontro, a coisa tem tudo pra tomar corpo. Ficamos na torcida pelos desdobramentos desta noite histórica para a MPB.

 

Créditos adicionais

Foto de capa: Bernardo Costa / portal Coisas da Música

Edição de vídeos: Cristiano Cardoso e Alexandre Horta

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3 Resultados

  1. Fatyma Silva disse:

    Que maravilha essa matéria!Parabéns! Juntar esses gênios no palco não é pra qualquer um!Adorei!

  1. 6 de junho de 2016

    […] o violão no canto da sala. O instrumento, velho e com a tarraxa quebrada, não tem um bom som. Mas Hélio Delmiro quer tocar: é quando se sente completo. Ele pede um alicate, compensa o defeito, e aperta a corda: […]

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