O humorista Paulo Silvino foi cantor de bossa nova
Paulo Silvino, 77 anos, nos recebe na portaria do prédio em que mora, na Barra da Tijuca. O gesto o aproxima de um de seus personagens mais famosos: o porteiro Severino. Mas nada de “cara crachá”. Queremos saber histórias do LP “Nova geração em ritmo de samba”, de 1960, em que o humorista canta e assina composições, ao lado de jovens que logo despontaram no Brasil e no mundo: Durval Ferreira, Claudette Soares e Eumir Deodato.
À cena inesperada na entrada do edifício logo se sucede outra. Já no apartamento, enquanto aprontamos o material para a gravação, ouvimos acordes de piano: é Paulo Silvino quem dedilha o instrumento no canto da sala.
– Olha só… Você toca?
– Não, não toco nada de piano. Só me defendo no violão – diz Paulo Silvino.
Mas quando a bossa nova estourou com João Gilberto e companhia, Silvino estava pronto para formar sua banda. Tinha 21 anos e gostava da cantar. Sua mãe, a pianista Naja Silvino, impostara sua voz com auxílio do mesmo piano que o humorista preserva até hoje. Quando Paulo Silvino manifestou o interesse em criar o conjunto, ela deu a dica:
– Você precisa conhecer um garoto que tem apenas 17 anos e dá aulas de acordeon lá na Academia.
Dona Naja referia-se à Academia de Artes Mario Mascarenhas, onde lecionava piano. O professor prodígio era Eumir Deodato. Paulo Silvino hesitou:
– Acordeon, mãe?! Eu estava pensando num conjunto moderno…
– Mas ele é supermoderno, toca num estilo jazz, como Art Van Damme.
Eumir Deodato entrou de piano no conjunto e começaram os ensaios. Também participavam Durval Ferreira (violão), Alfredinho (contrabaixo) e Fernando Costa (bateria).
– Aí veio a bossa nova e eu coloquei na cabeça que iria gravar um disco – lembra Silvino.
A estreia de Eumir Deodato
Emilio Vitale, amigo da família e dono da gravadora Copacabana, autorizou a gravação e designou o flautista Altamiro Carrilho para coordenar a turma. O humorista e compositor Silvino Neto, pai de Paulo Silvino, deu o título: “Nova geração em ritmo de samba”. E lá foi o conjunto para o estúdio. Eumir Deodato, então com 17 anos, participava de um LP pela primeira vez.
– Eu fiz arranjos pra todo mundo, auxiliado pelo flautista Altamiro Carrilho, famosíssimo no Brasil. Foi mesmo a minha estreia em LP – informou Eumir Deodato em entrevista por Skype, de Nova York, nos Estados Unidos, onde vive.
Na época, Silvino e Deodato moravam em bairros próximos – Laranjeiras e Cosme Velho, na Zona Sul do Rio -, e tiveram grande afinidade. No LP, há uma parceira dos dois: “A fábula que educa”, também assinada por Orlandivo, com quem Paulo Silvino compunha desde que se conheceram no Exército: serviram juntos no mesmo quartel.
“Fiz os arranjos pra todo mundo, tinha 17 anos, e o Altamiro ajudou”, diz Eumir Deodato
– O Divo não entrou no LP como cantor pois aconteceu o seguinte… – lembra Paulo Silvino: – Veio a dúvida: “Quem vai cantar no disco”? Aí o Durval disse: “Tenho um amigo que tem uma voz muito boa…”. Então, tá. Aí o Walmir Falcão canta “Meu samba é assim”, do Durval. O Altamiro falou: “Tem uma menina aí que tem uma voz maravilhosa, é filha do nosso amigo que faz as capas de disco da Copacabana…”. Veio a Myrna Romani e cantou “Depois do Carnaval” (Paulo Silvino e Wilson Tirapelli). E apareceu a Marilucia, que era uma namorada do Durval Ferreira na época. Ela cantou “Cinderela em 3-D”, minha e do Orlandivo, e “Fuga”, do Durval.
No LP ainda constam “Guerra à bossa” (Nonato Buzar), “Sambop” (Durval Ferreira e Maurício Einhorn) e “Tristeza de nós dois” (Durval Ferreira, Maurício Einhorn e Bebeto Castilho), entre outras. Essas duas últimas foram as faixas de maior sucesso do disco.
Claudette Soares
Durante a gravação do LP, Paulo Silvino teve a ideia para uma brincadeira: obra da veia humorística que o tornou consagrado na TV brasileira. Na música “Ursinho Dodói” (Paulo Silvino e Wilson Tirapelli), um diálogo entre um casal de namorados, ao telefone, traz graça ao disco.
De um lado da linha, Paulo Silvino; do outro, Claudette Soares. A cantora fazia parte do elenco da Copacabana, onde era tratada como a “princesinha do baião”. Mas o que ela queria mesmo, lembra Silvino, era gravar bossa nova:
– Foi então que o Emilio disse pra ela: “Já que você quer gravar bossa nova, coisa moderna, entra aí no disco dos garotos”.
O tema de “Ursinho Dodói” é ameno, até mesmo ingênuo. A menina liga para o namorado depois de ter faltado a um encontro e leva uma bronca. O rapaz canta a música, mas se nega a repeti-la alegando que a namorada queria roubá-la. Ela insiste. Ele desliga o telefone.
– Tivemos que gravar “Ursinho Dodói” escondido, para não haver problemas com o Eumir Deodato, que “não iria gostar de brincadeira em música”, como disse o Altamiro na época. Tanto que ele levou um susto quando o LP saiu: “Que faixa é essa?!” Lembro da cara de espanto do Eumir até hoje – conta Silvino, às gargalhadas.
Gostei muito do conteúdo.Fico aguardando os próximos.
Olá, José, muito obrigado! Aqui é publicado conteúdo exclusivo regularmente. Espero que possa acompanhar. Abraços
Paulo Silvino era realmente um artista muito completo no meu ponto de vista, muito bom seu artigo, parabéns.
Saudoso Silvino, deixou boas lembranças alegrias e registro fonográfico, coisa que eu já nem me lembrava. Graças a entrevista, essa pérola foi recuperada e trazida de volta ao conhecimento do público. Parabéns Bernardo Costa!