Fernando Brant, o poeta vendedor de sonhos

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Fernando Brant na sucursal da revista O Cruzeiro, MG, 1970  Foto: Arquivo/O Cruzeiro

Chegar e partir. Dois lados da mesma viagem. As pessoas na plataforma da estação, o vai e vem de todos os dias, as alegrias, as tristezas… A vida. Há os que estão aqui a passeio – gente que veio só olhar. E os grandes artistas, gente que chega pra ficar. O compositor Fernando Brant é desses. Morreu em junho, aos 68 anos, em Belo Horizonte, mas deixa obra eterna, que o trem da história já carrega por algumas gerações. Poeta da canção, se agora pudesse mandar notícias do mundo de lá…

Dentre tantas canções feitas com o principal parceiro, Milton Nascimento, “Encontros e despedidas” é agora emblemática, quando Fernando já não está mais entre nós. Os versos acabam por suscitar interpretações espiritualistas, embora a intenção original do autor tenha seguido outra direção, a da estrada de ferro que ligava Bahia a Minas, cujo encerramento das atividades, em 1966, deu o mote pra canção. A chegada e a partida, os encontros e as despedidas, as notícias do mundo de lá… Tudo contido no espaço físico entre algumas estações.

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Fernando, Milton e a canção Foto: Autor Desconhecido

Um pouco sem graça, não é? Foi o que achou uma tia de Fernando Brant, chamada Vera, quando o sobrinho lhe contou os reais motivos de sua letra.

– Mas é só isso, uma estação que vai pra outra, e…? Tchau, Fernando – desligou o telefone, desamparada.

Era como se o compositor tivesse vendido outra ideia, talvez um sonho. Reflexões filosóficas sobre a vida e a morte. O mistério da própria existência. Afinal, por que estamos aqui? A tia esperava ouvir coisas assim.

Último trem

“Encontros e despedidas” fazia parte do roteiro do espetáculo “Último trem”, escrito por Fernando Brant a convite do Grupo Corpo. O balé estreou em 1980, mas as gravações originais da trilha sonora só foram lançadas em 2002, num CD duplo que traz também as canções de “Maria Maria” – espetáculo anterior do grupo mineiro, também com roteiro de Fernando e canções suas em parceria com Milton Nascimento. A gravação que ouvimos abaixo, com Milton e Zezé Mota, é parte do álbum.

“Vendedor de sonhos” era o título provisório da primeira canção que Milton e Fernando Brant fariam em 1967, inaugurando a parceira da dupla. Os dois já se conheciam há dois anos. Houve resistência, mas Bituca insistiu:

– Essa música não é pra mim nem para o Márcio Borges (primeiro parceiro de Milton). Você tem que pôr letra.

Fernando acatou e compôs seus primeiros versos. Parece que ele pegou pra si a sugestão do título do amigo e incorporou o “Vendedor de sonhos” no seu fazer poético, trocando o nome da canção para “Travessia” – o caminho. Estava dado o recado. Era isto que ele iria fazer dali pra frente: compor canções e inspirar pessoas, soltar a voz nas estradas.

Encontro com Maria Rita

Muitos dos que viram a estreia da cantora Maria Rita no palco do Canecão, em 2003, fizeram comentários também de tom espiritualista. Impressionados, diziam que era como se estivessem vendo sua mãe, Elis Regina, novamente em ação. O choro na plateia era incontrolável. Emblemático que o carro-chefe da turnê tenha sido “Encontros e despedias”.

Milton Nascimento e Fernando Brant fizeram tudo em torno do principal sentimento que os uniu: a amizade, o valor cultivado entre todos os artistas identificados com o Clube da Esquina. Isso transparece em suas canções. No dia do sepultamento de Fernando, no Cemitério do Bonfim, em Belo Horizonte, Milton disse aos jornalistas:

– O que eu guardo de lembranças do Fernando é toda a minha vida.

 

Créditos adicionais:

Foto de capa: Felipe Zig / UFMG

Vídeo com “Encontros e despedidas” (Milton Nascimento e Fernando Brant): Do álbum duplo “Maria Maria / Último Trem – Trilha sonora original dos ballets”, selo Nascimento, 2002. Com Zezé Mota e Milton Nascimento. Postado no YouTube por mariuspblful

Vídeo com “Encontros e despedidas” (Milton Nascimento e Fernando Brant): Do CD “Encontros e despedidas”, de Maria Rita, Warner Music, 2003. Postado no YouTube por Victor Carvalho 

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