A hora certa para estar na linha de frente

O conjunto estava entrosado. O público, cativo. Restava o CD. Depois de seis anos de apresentações num restaurante de Santa Teresa, na região central do Rio, era essa a cobrança dos frequentadores. O que foi resolvido quando o baterista Fernando Pereira e o produtor Ruy Quaresma, da gravadora Fina Flor, se cruzaram pelo charmoso bairro.

– Ruy, eu tenho essa demanda aqui… – e Fernando fez a proposta.

– Mas qual é o problema? – perguntou o solícito produtor.

Fernando foi pra casa e começou a trabalhar no projeto. Não do que seria um CD comemorativo da temporada, mas o primeiro com seu nome na capa, o primeiro do Fernando Pereira Quarteto. Aos 65 anos, o baterista que começou nos bailes do subúrbio, viu surgir a bossa nova, tocou no dancing e em orquestra de TV, debuta com Brasil Instrumental.

Logo de cara, uma alegria: a indicação ao prêmio da Associação Brasileira de Produtores de Discos Independentes.

– Só de ter sido lembrado eu já me sinto muito feliz – diz o baterista ao portal Coisas da Música, com a simplicidade que lhe é peculiar.

Fernando Pereira durante apresentação no evento Jazz na Candelária Foto: Alexandre Horta / coisasdamusica

Fernando Pereira durante no evento Jazz na Candelária Foto: Alexandre Horta / coisasdamusica

Com Fernando Pereira estão o tecladista Dudu Viana, o baixista Berval Moraes, o saxofonista Rodrigo Revelles e, eventualmente, o percussionista Daniel Félix. Costumam se apresentar em eventos de jazz, e começam o show com o poderoso pout-pourri que abre esta postagem. O vídeo foi feito na Casa França-Brasil, durante a festa Jazz na Candelária, no Centro do Rio.

O líder do conjunto

Quem vai ao microfone dar boa noite, apresentar o conjunto e as canções, é Fernando Pereira. Um fato novo na carreira do experiente baterista, que excursionou pela Europa com Sivuca, gravou com Luiz Gonzaga e esteve próximo de Radamés Gnattali e sua turma, que incluía Chiquinho do Acordeão e Zé Menezes, com os quais também gravou.

Chegou a hora de estar na linha de frente:

– É preciso estar psicologicamente assentado para você entender a sua função de destaque à frente do público e não hesitar. Você não pode ficar intimidado com os holofotes, as atenções, a hora do “fala aí”. Essa coragem chegou, eu não tinha.

E chegou no momento em que o baterista diz ter adquirido a fluência do jazz, a capacidade de improvisar e dialogar com os demais músicos. É o que faz com seu quarteto, que no show toca a versão latina de Tito Puente para “Take Five”, de Paul Desmond. O conjunto elabora em cima do arranjo, com destaque para o solo de Fernando e Daniel Félix. Confira:

Samba do Avião

Brasil Instrumental tem um repertório afetivo. Estão lá as músicas de Tom Jobim e João Donato, “os pilares da bossa nova” que forjaram o início da carreira de Fernando. Músicas que faziam parte das apresentações em Santa Teresa, onde o quarteto se formou.

– “Samba do Avião” (Faixa 1 do CD) é uma música da qual não abro mão. Li uma pesquisa no jornal, de fonte confiável, dizendo que o “Samba do Avião” é líder em execução mundo afora, uma espécie de hino nacional. E de fato pude perceber isso em minhas andanças por aí. É como que um cartão postal universal.

Para Fernando, há uma demanda reprimida para a bossa nova no Rio:

– É muito solicitada e ninguém quer tocar. Tanto que enchi o saco dos meus amigos músicos para que tocássemos “Samba do Avião”.

Fernando Pereira durante no evento Jazz na Candelária Foto: Alexandre Horta / coisasdamusica

Com Sivuca na Suécia

Seguindo o apanhado afetivo, o CD traz duas composições de Sivuca, “Um tom pra Jobim” (com Oswaldinho) e “Energia” (com Glória Gadelha). Foi com Sivuca que Fernando diz ter passado os momentos mais importantes de sua carreira. Com ele, aprendeu os segredos dos ritmos nordestinos, e testemunhou o prestígio da música brasileira no exterior, durante viagens ao Norte da Europa:

– Íamos lá para tocar o show do Sivuca, de baião, forró e frevo, no meio de veteranos de jazz e blues que iam para os festivais de música instrumental, e sempre fomos muito respeitados. Ele era um músico internacional, morou em Nova York, e foi diretor artístico da Miriam Makeba.

Foram duas turnês, em 1986 e 1991, em shows que se estenderam para outros países da Escandinávia, como Finlândia, Dinamarca e Noruega, onde Sivuca era apelidado de Santa Claus, o Papai Noel:

– Ele adorava o apelido, pois todo ano lembravam dele.

Na primeira viagem, Fernando gravou no disco Sivuca & Guitars Unlimeted, com o duo de guitarristas formado pelo sueco Ulf Wakenius e o dinamarquês Peter Almqvist, além de Luizão Maia no contrabaixo. O disco foi gravado no fim de uma turnê de 43 shows em 60 dias, que incluía a cantora Sylvia Vrethammar:

– O repertório do show era de músicas suecas, mas, no camarim, nós passávamos os chorinhos até eles pegarem. O Sivuca como que tomava a lição de casa dos gringos.

A grande lição, porém, que dá o tom na conversa com o baterista, é a da simplicidade, uma forma de sabedoria. Ela está nos gestos e ideias de Fernando, que indaga ao falar do CD Brasil Instrumental:

– Se só os gênios pudessem lançar um disco, o que seria de nós, os simples mortais?

 

Créditos adicionais:

Foto de capa: Alexandre Horta / portal Coisas da Música

CD Brasil Instrumental, Fernando Pereira Quarteto. Gravadora Fina Flor, 2015, Brasil

Vídeo com o LP Sivuca & Guitars Unlimeted. Gravadora Sonet, 1987, Suécia. Postado no YouTube por Saoundtrackland

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2 Resultados

  1. Roberto Pereira D'Araujo disse:

    Não é por mim, pois, afinal, nem músico profissional sou. Recebi o link de um amigo. Seria interessante corrigir a informação sobre o conjunto que “tocou seis anos no bar de Santa Teresa”. Considero o Fernando um dos grandes bateristas brasileiros, mas não custava nada citar os outros músicos que se dedicaram nos seis anos e que tinham o grupo “entrosado”. Infelizmente meus arranjos não serviram.

    • FERNANDO PINTO PEREIRA disse:

      Prezado Roberto Araújo,
      Agradeço muito a oportunidade em poder dividir esse assunto com você para esclarecer sobre a reportagem do excelente jornalista e criador do site COISAS DA MÚSICA, Bernardo Costa, o qual tive a honra e oportunidade de conhecer no Beco das Garrafas, após o lançamento do meu primeiro CD “Brasil Instrumental”. Bernardo prontamente se interessou pelo trabalho e pela minha trajetória profissional, um baterista, que após 50 anos de exercício profissional na música lança seu primeiro CD. Depois de alguns encontros só tenho a agradecer pelo resultado desse registro maravilhoso sobre o meu trabalho.
      O jornalista referiu-se à cena onde o músico se encontrava e não ao conjunto, daí a noticia de passagem, de forma impessoal.
      Tenho muito orgulho e prazer em citar todos os músicos com quem toco e convivo. Faço isso desde sempre.Fiz isso durante seis anos, com muito prazer, entre nós. Não seria agora que deixaria de fazê-lo e você e todos sabem muito bem disso.
      O jornalista tem todo o direito e liberdade de publicar a matéria conforme sua visão e dar ênfase somente ao assunto em foco. Então, compreendo a sua sugestão, tenho muita honra de ter tocado seus arranjos, mas, os créditos deste CD vão para os arranjos coletivos e performances dos músicos, Fernando Moraes (pianista ), Rodrigo Revelles (saxes e flauta) , Berval Moraes ( contrabaixo) e do baterista Fernando Pereira, todos dirigidos e produzidos pelo excelente produtor musical Ruy Quaresma. Créditos esses, já citados no cd.
      A ficha técnica na reportagem cita os músicos que atuaram no evento o qual o jornalista cobriu, aliás, até pagando o ingresso para trabalhar. Gesto esse que nunca esquecerei.
      Não deixarei nunca de citar os trabalhos dos quais já participei. Tenho muito orgulho disso e consciência.
      Obrigado pela oportunidade de esclarecer e estamos à disposição.

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